"Eu te busco de todo o coração; não permitas que eu me desvie dos teus mandamentos." (Salmo 119:10)

sábado, 13 de agosto de 2016

A gente sabe que vai passar.




Eu sempre estive do outro lado. Do lado que via um problema, ou causava ele, e tentava resolver. E resolver algumas vezes significava abandonar o barco e nadar até a próxima praia (mesmo que isso cansasse e pudesse me matar). Desta vez em momento algum, neste segundo tempo, eu vi o barco afundando. Quando dei por mim, a água já estava acima dos nossos joelhos e fui obrigada a me jogar no oceano. Não me preparei. Ainda queria ficar lá, no barquinho. Não sei para que praia vou, não sei sequer se tenho forças para nadar.

Nos momentos de naufrágio sempre existem as vozes que nos dizem as mesmas coisas que dizemos quando não somos nós os que estão afundando:

Existem outros. A vida não para. Te concentra no que tu precisa fazer agora. Nós de qualquer forma nunca temos certeza de nada. Tudo sempre pode mudar. Você ainda é muito jovem. Tu é muito forte. Precisamos todos ficar bem primeiro. Aproveita para fazer aquelas coisas que tu sempre quis. Sai com os amigos. Conversa com os amigos. Fica com os amigos. Vai ficar tudo bem.

Nós, que estamos afundando ou que já somos náufragos experientes, sabemos que tudo isso tem sua razão e que é tudo verdade, ainda assim, a única coisa que pensamos é: eu não quero ouvir nada disso, ninguém está entendendo. Eu nunca havia sido deixada,  as pessoas que não seguiram comigo foram pessoas com quem, na verdade, nunca tive nada concreto. Para tudo tem uma primeira  vez, e eu, que sempre soube o momento certo de pular fora do barco, precisei sair dele. Eu me incomodava de sempre ser a "vilã" da história, mesmo sabendo que eu estava bem com a decisão, e ao mesmo tempo mal por fazer o outro sofrer, exatamente o que estou sofrendo agora. Agora estou tendo que lidar com o fato de que chegou minha vez de ouvir os meus próprios conselhos e falas. E são todos verdadeiros. Mas odeio muito cada um deles.

E isso é natural, é porque, afinal de contas, ninguém queria que isso acontecesse. O que a gente quer é a convicção, a certeza, a segurança, os planos, a companhia - ou a promessa dela. E amanhã podemos ter tudo isso de novo, sabemos disso. O que dói mesmo não é achar que isso nunca mais vai acontecer (eu já passei dessa fase de achar que "não vai ter mais ninguém neste mundo de bilhões de pessoas que dê certo comigo" ) e sim saber que agora eu sei exatamente com quem eu gostaria que fosse e não tenho nenhuma esperança de ter isso. Ou, pior: tenho todas as esperanças e não posso me segurar em nenhuma delas.

Como gostar de alguém de novo um dia? Ou ainda: será que ainda viveremos alguma coisa assim um dia? São coisas que não saem da cabeça. Talvez eu seja dramática demais, é verdade que eu sou bem intensa quanto a essas coisas: ou não sinto nada e fico fria e distante, ou sinto tanto como se não tivesse mais hora para acabar o sofrimento. Sempre tentei ter empatia e ouvir o melhor que eu podia quando algum amigo ou colega passava por isso, e sempre achava que a melhor coisa era tentar ser racional e dizer: "vai passar". Hoje eu sei que esse é o tipo de dor que não passa com um "vai passar", porque a gente sabe que vai passar, não queremos que passe, mas sabemos que vai.

Sabemos que somos forte. Eu sei que vou seguir, como sempre digo, sobretudo, adiante. Mas quando chega a noite, a única coisa que você quer é não seguir, é congelar o momento, ou voltar atrás e ouvir a voz, sentir a pele, ler as mesmas palavras, sonhar tudo de novo e ver cada momento em que você se doou tanto e, ou querer isso de novo, ou arrepender-se de ter feito isso. A única coisa que a gente quer é um abraço, sem fala, sem pena, sem obrigação, sem medo, só aquele abraço que acolhe, um abraço que faça você pensar que foi deixada sim, mas, veja bem, quantos vivem por aí o que você viveu? É o que vem me confortando. Foi mágico, especial, aquele impossível que se tornou real. E não tem raiva, não foi um fim trágico. Foi só um fim (queria escrever pausa, mas aí, é como eu disse: ter todas as esperanças e não poder se segurar em nenhuma delas).

Agora sou alguém que pode falar pelos dois lados e tentarei ao máximo seguir meus próprios conselhos: lembrar que há muito pela frente, fazer aquelas coisas que tenho vontade de fazer, principalmente coisas sozinha, não fazer nada que possa fazer o outro sentir-se culpado ou responsável pela minha tristeza, não ser um peso para o outro, não ficar indo atrás pedindo pelo amor de deeeeeeus que volte pra mim nem fazer chantagens emocionais. E, claro, continuar sua amiga, a melhor amiga se possível. Confesso que esta é a minha maior vontade: reverter tudo à mais pura e forte amizade, e sei que isso é o mais certo. Como eu não sei. Quando eu não sei. Mas eu sei que vai acontecer assim, porque com a gente sempre foi assim rs. Não tenho a menor ideia do daqui pra frente, do agora só sei que é muito difícil ver, ouvir, qualquer coisa que lembre você. Mas fico feliz por ter tido esta história. Mesmo o barco tendo afundado, houve sobreviventes. E talvez a gente se encontre na mesma praia, ou cada um na sua. Todos náufragos do mesmo amor, sobreviventes da mesma relação. Ajudando outros a nadar, ou afundando em novas viagens.

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